sábado, 3 de abril de 2010

Memória HQ

8jul
posted by Goncalo Junior filed under MEMÓRIA HQ
Se você respondeu que é o pai da literatura de ficção científica no Brasil, acertou na mosca. Mas ele fez outras atividades bem importantes no mundo cultural paulistano entre as décadas de 1930 e 1960. Principalmente no rádio. O que pouco se diz é que Jerônymo teve uma passagem importante ligada aos quadrinhos brasileiros.
Nascido em 1909, há exatos cem anos, portanto, foi ele o primeiro editor da Editora Abril, fundada por Victor Civita (1907-1990) em dezembro de 1949 – embora a primeira revista, Raio Vermelho, que também editou, só chegasse às bancas em maio do ano seguinte. Caberia a ele cuidar daquela que seria oficialmente a publicação que iniciou a bem sucedida trajetória da Abril, a revistinha O Pato Donald – além de primeiro diretor da publicação, ocupava as funções de tradutor, redator e secretário.
Como conto no meu livro O Homem-Abril, publicado pela Opera Graphica em 2005, o próprio Jerônymo indicou Cláudio de Souza para substituí-lo na editora de Civita, em 1951. O jovem era, então, estudante de Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), além de acumular uma breve carreira no rádio e no suplemento A Gazeta Juvenil – , suplemento pioneiro dos quadrinhos em São Paulo.
Seu padrinho ocupava a posição de um dos mais respeitados criadores do rádio e da ficção científica em São Paulo. Como radialista, tornou-se um dos precursores das radionovelas na América Latina, ao lançar, na antiga Rádio Tupi, o seriado radiofônico “As aventura de Dick Peter”, patrocinado pelo Café Jardim, a partir de 1937. Fez tanto sucesso, que Monteiro lançou 15 livros com suas histórias e levou-o aos quadrinhos pela Editora La Selva a partir de agosto de 1952, com roteiro de Syllas Roberg e capa e desenhos de Jayme Cortez.
Cláudio se lembraria do amigo como um autodidata de grande cultura, que tinha “espetacular imaginação e enorme capacidade de trabalho”. Como um dos primeiros autores brasileiros de literatura policial, Jerônymo Monteiro adotou o pseudônimo americano de “Ronnie Wells” – com a justificativa de que não seria levado a sério se usasse o próprio nome, bem brasileiro, uma vez que os leitores estavam acostumados a autores estrangeiros.
Outro pioneirismo seu foi como autor de science-fiction – na época, a denominação usada no país era mesmo em inglês. Seria depois celebrado como o pai do gênero no Brasil. Seu livro “Três Meses no Século 81” se tornaria um clássico. Outro sucesso, Os visitantes do espaço, fez parte da coleção Ciencifcção, da editora Edart. “Os discos voadores traziam estranhas criaturas – poderosas e inteligentes – que vinham de Io, o segundo satélite de Júpiter”, anunciava a edição. Jerônymo escreveu também livros com histórias de aventuras – “A Cidade Perdida” e “O Irmão do Diabo” foram alguns.
No relação profissional, Cláudio de Souza o definiu ainda como um homem simples e generoso, que jamais deixou de ajudar os amigos. “Lembro-me dele como alguém muito leal e grande companheiro”. E foi durante um encontro dos dois nos estúdios da antiga Rádio Excelsior que ele soube por Jerônymo da Abril pela primeira vez, quase um ano antes de se tornar empregado de Civita. A emissora – que depois se tornaria Rádio Nacional de São Paulo – funcionava num prédio da rua 24 de maio, centro da cidade.
Jerônymo lhe falou da editora em junho de 1950, quando o Brasil tentava ganhar sua primeira Copa do Mundo de futebol – a competição começava a ser disputada no recém-inaugurado estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Cláudio trabalhava com ele desde o início do ano, quando este dirigia o tablóide Gazeta Juvenil, do jornal A Gazeta. Logo depois, Jerônymo passou a ocupar a direção da Excelsior. A amizade continuou e eles sempre se encontravam.
Um dia, contou a Cláudio que estava editando uma certa revistinha em quadrinhos chamada O Pato Donald para um empresário americano, que iria para as bancas em poucos dias. Quando lhe revelou a boa nova, um extasiado editor apresentou ao colega as provas impressas da revista. “Naquele dia, ele me mostrou, com grande orgulho, a primeira folha de impressão do número 1 do ‘Pato’. Literalmente, vi o bicho sair da casca”.
A prova que Cláudio viu era o caderno externo, em cores, inicialmente impresso na Gráfica “Lanzara”, considerada a melhor impressora em off-set da capital paulista. O resto da revista seria rodado nos dias seguintes, na Gráfica e Editora Revista dos Tribunais, com uma só cor. “Parecia que eu estava vendo o ‘Pato’ sair do ovo”, repetiu Cláudio. “Fiquei emocionado. Acho que Jerônymo percebeu o brilho dos meus olhos. Tanto assim que, muitos meses depois, ele me telefonou dizendo que um senhor chamado Victor Civita queria me conhecer”.
O amigo lhe disse que o empresário precisava de um jovem jornalista que, de preferência, cursasse direito – o que era muito comum, pois durante décadas, como não havia curso de jornalismo, as faculdades de direito eram o primeiro passo para os interessados em trabalhar em jornal. Assim, além de ajudar nas edições das revistas, Cláudio cuidaria do livro de registro dos empregados. Ao fazer o convite, alertou o amigo que o dono da editora gostava de pontualidade e, portanto, deveria chegar cedo ao encontro. O rapaz conseguiu a vaga e foi importante para construir a história da editora nos vinte e cinco anos seguintes.
Jerônymo Monteiro morreu em 1970. Nessas quatro décadas, seu nome tem sido carinhosamente preservado entre aqueles que cultuam a ficção científica no Brasil. É tempo, portanto, de lembrar dele como alguém que ajudou a fazer a história dos quadrinhos no Brasil.





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